Name:
Location: Cranbrook, Colômbia Britânica, Canada

Helder Fernando de Pinto Correia Ponte, também conhecido por Xinguila nos seus anos de juventude em Luanda, Angola, nasceu em Maquela do Zombo, Uíge, Angola, em 1950. Viveu a sua meninice na Roça Novo Fratel (Serra da Canda) e na Vila da Damba (Uíge), e a sua juventude em Luanda e Cabinda. Frequentou os liceus Paulo Dias de Novais e Salvador Correia, e o Curso Superior de Economia da Universidade de Luanda. Cumpriu serviço militar como oficial miliciano do Serviço de Intendência (logística) do Exército Português em Luanda e Cabinda. Deixou Angola em Novembro de 1975 e emigrou para o Canadá em 1977, onde vive com a sua esposa Estela (Princesa do Huambo) e filho Marco Alexandre. Foi gestor de um grupo de empresas de propriedade dos Índios Kootenay, na Colômbia Britânica, no sopé oeste das Montanhas Rochosas Canadianas. Gosta da leitura e do estudo, e adora escrever sobre a História de Angola, de África e do Atlântico Sul, com ênfase na Escravatura, sobre os quais tem uma biblioteca pessoal extensa.

Monday, May 29, 2006

4.1 Que História?



1. O que é "História"?

Entendo história como o estudo científico do passado de um ou mais grupos humanos.

O termo "história" é definido no Dicionário da Língua Portuguesa 2004, da Porto Editora, como a "narração crítica e pormenizada de factos sociais, políticos, económicos, militares, culturais e religiosos, que fazem parte do passado de um ou mais países ou povos." O termo "história" refere-se também em geral ao ramo do conhecimento que se ocupa do estudo do passado, da sua análise e interpretação.

Em termos da sua etimologia, a palavra "história" deriva da mesma palavra usada na Grécia Antiga, que queria dizer aprender, saber, ou encontrar o significado de qualquer coisa. A origem da palavra é "histor", que no grego clássico tinha o significado de "aquele que sabe", "sabedor" ou "sábio".


2. Génese da História

À medida que os povos muito antigos começaram a compreender o mundo à sua volta, eles começaram a recordar as suas interpretações em que tentavam explicar fenómenos naturais como as estações do ano, as posições do sol e da lua ao longo do dia e do ano; grandes desastres naturais como erupções de vulcões, terramotos, marmotos (tsunamis), dilúvios (como a popular lenda da Arca de Noé); grandes migrações, mudanças seculares de clima, e a descrever animais e plantas, passando todos esses elementos a fazer parte da história da criação e do universo mitológico desses povos, e assim constituir o momento inicial da história desses povos.

Com o aparecimento da escrita em algumas civilizações passou a haver o cuidado de relatar e de registar em escrito a mitologia e os factos do passado (a história), mas apenas em forma literária, e ainda não como ciência. Podemos assim dizer que, numa perspectiva geneológica e usando a família como exemplo a ilustrar, a literatura é a "mãe" da história, e a mitologia a sua "avó".

A história preocupa-se fundamentalmente em dar resposta a duas perguntas: O que aconteceu no passado?; e porque é que aconteceu?

O estudo da história debruça-se assim sobre todas as actividades sociais do homem no passado, incluindo entre outras as económicas, políticas, religiosas, artísticas, e jurídicas. A história preocupa-se não só com a descrição e análise do passado, mas também com a sua explicação. Ao longo do processo histórico, a história preocupa-se não só com o estudo dos factos históricos (que não se repetem), mas também com o estudo das ideias, e das relações entre os factos e as ideias; como bem disse o filósofo romano Cícero na sua obra "De Oratore" (ano 55 a.C.) "a história é a testemunha que atesta a passagem do tempo; ilumina a realidade, revitaliza a memória, guia o quotidiano, e traz as mudanças de vida na antiguidade".


3. Classificação da História em Períodos, Eras, Idades ou Épocas

Desde cedo os estudiosos de história sugeriram que a mesma se podia dividir em períodos, eras, épocas ou idades, em que em cada uma se agrupavam a vida dos povos. Talvez baseada na evolução do homem, desde o seu nascimento até à morte, em que se podia claramente distinguir as sete idades ou estágios principais (1. Infância, 2. Meninice, 3. Adolescência, 4. Jovem Adulto, 5. Adulto, 6. Velhice, 7. Demência e Morte), alguns pensadores "organizaram" a história humana nesta perspectiva antropomórfica, associando os tempos primitivos à infância, o estado adulto ao tempo corrente, e a demência e morte ao apocalipso e fim da humanidade.

Foi o filósofo Santo Agostinho quem avançou por volta do ano 400 a primeira classificação de períodos da história com base nas idades da história cristã. Assim, Santo Agostinho classificou a história cristã em seis eras ou idades principais:

1. A primeira idade ia desde o princípio da humanidade (desde Adão e Eva) até ao tempo de Noé (da Arca que sobreviveu o dilúvio);
2. A segunda idade ia do tempo da Arca de Noé até ao tempo de Abraão;
3. A terceira idade ia do tempo de Abraão até ao tempo do Rei David;
4. A quarta idade ia do tempo de David até ao tempo do da cativação na Babilónia do Povo escolhido por Deus;
5. A quinta idade ia do tempo da cativação na Babilónia até ao nascimento de Jesus Cristo; e
6. A sexta idade que ia do tempo da vida de Cristo até cerca do ano 400 (ano em Santo Agostinho primeiro organizou a história cristã em períodos.

A classificação de Santo Agostinho perdurou durante toda a Idade Média até ao Renascimento, ou melhor até à Época dos Descobrimentos Portugueses, quando o "mundo" deixou de ser a Europa somente e se alargou para incluir os povos recém descobertos dos outros continentes. Assim, a concepção dos períodos da história tomou uma base mais científica e universal e menos religiosa, e uma nova periodização, se bem que ainda com base numa visão estritamente eurocêntrica, foi adoptada pelos estudiosos de história.

Assim, em termos dos grandes períodos da evolução humana, alguns autores designam como paleo-história o estudo da época mais antiga da humanidade, o paleolítico (idade da pedra lascada), cobrindo a evolução dos pre-hominídeos até ao homo sapiens. A proto-história cobre a humanidade desde as origens do período neolítico até ao aparecimento de utensílios de cobre na Europa e de ferro em África; do mesmo modo, a pré-história ocupa-se com o estudo das sociedades humanas entre o começo da idade dos metais (cobre, bronze e ferro) e o aparecimento da escrita. A história refere-se normalmente ao estudo de sociedades humanas após o desenvolvimento de sistemas de escrita.

Embora marcada por uma concepção eurocêntrica da humanidade, os estudiosos de história adoptaram a classificação em períodos que ainda hoje se usa muito: Pré-História (antigas sociedades que viveram antes do advento da escrita), Antiguidade ( Civilizações egípcia, Babilónica, Creta, Grécia Antiga, e Roma Antiga), Idade Média (desde a queda de Roma até ao Renascimento nos fins do Século XIV), Idade Moderna (do Renascimento à Revolução Francesa) e Idade Contemporânea (desde a Revolução Francesa até aos dias de hoje).

Até à publicação da obra de Charles Darwin "A Origem das Espécies" em 1859, os estudiosos de história acreditavam que a evolução humana era linear, isto é, seguia uma linha geral de desenvolvimento; contudo, aplicando o mesmo conceito de evolução de Darwin à especie humana, alguns estudiosos desenvolveram a teoria de evolução social, ou darwinismo social, como também é chamada. O Darwinismo Social é uma teoria do desenvolvimento social e biológico da espécie humana, que pede emprestado à teoria da evolução natural das espécies de Darwin, pela qual a espécie humana (homen, grupo, classe, sociedade e raça) evolui através da luta pela sobrevivência humana, em que os vencedores são os mais fortes dotados de qualidades físicas e mentais superiores, que nesse processo de concorrência biológica aniquilam ou subjugam os mais fracos. Havemos de voltar a este tópico tão importante e estudá-lo em mais profundidade, pois a utilização de alguns elementos da teoria da evolução de Darwin por alguns pensadores e políticos levou a que se aceitasse e promovesse o conceito de "raça", e assim justificar a ascendência económica e biológica do homem "Europeu" sobre todos os outro grupos humanos, com consequências tão nefastas para a maioria dos povos do mundo.

Contudo, com os avanços da arqueologia como ciência, a explicação de civilizações então descobertas em lugares longínquos do mundo, desafiou o dogma da evolução linear e universal da humanidade. Assim, os estudiosos avançaram a teoria da difusão na evolução humana, pela qual muitas das invenções tiveram lugar numa região ou conjunto de civilizações, mas que se difundiram para utros locais e civilizações através do comércio, migrações, e contacto entre culturas. De acordo com a teoria da difusão, a humanidade nasceu há cerca de 6.000 anos na Suméria (na Mesopotâmia, Iraque actual) , expandindo-se depois para o Egipto e Oriente Médio, Grécia, Roma, etc.

Contudo, a teoria da difusão desde muito cedo encontrou resistência em ser aceite por um grande número de estudiosos de história, pois não dava uma explicação cabal à diferença na evolução de grandes civilizações separadas por continentes ou outros condicionalismos de natureza geografica ou ambiental. Assim, passou-se a aceitar o conceito de que a evolução de sociedades não obedece a uma linha geral, mas que de facto é condicionada pelas condições geográficas e ambiente natural específicas, que por sua vez evoluíram de formas diferentes. De acordo com esta explicação da evolução a geografia e geologia, o clima, os acidentes naturais, tiveram uma grande influência na evolução das sociedades, daí resultando que cada civilização seguiu um curso original e específico até entrar em contacto com outra civilização no curso geral da história humana.

Ainda no Século XIX, estabeleceu-se o consenso que a periodização da história human estava relacionada com a evolução do planeta, numa perspectiva geológica. Assim, a evolução da pré-história e da história foram colocadas no mesmo quadro geral, que era baseado numa classificação em que a evolução geral do planeta (em três elementos principais: geologia, vida e homem) se podia classificar em Eons, Eras, Períodos, Épocas e Idades, em que cada um era dividido em fases específicas e distintas. Assim, cada Eon era composto por Eras; cada Era era composta por Períodos; cada período era composto por Épocas; e cada època era composta por Idades. É de notar que nesta periodização, somente as épocas mais recentes referem à actividade do homem, sendo a maioria dos anteriores relacionados com a evolução geológica do planeta, origem dos seres vivos e evolução animal e vegetal.

Mais específicamente, os eons incluíam o Archeano (o mais antigo, começando com a creação do planeta, de 4,6 bilhões de anos até 2,5 bilhões de anos atrás), Proterozoico (de 2,5 bilhões de anos até 550 milhões de anos), e o Fanerozoico (de 550 milhões de anos atrás até à actualidade). Por sua vez, o eon Archeano estava dividido em eras que incluiam o Antigo, Médio e Novo. O eon Proterozóico estava dividido em Antigo, Médio e Novo. Finalmente, o eon Fanerozoico (o mais recente) está dividido pelas eras do Paleozóico, do Mesozóico e do Cenozóico. Pelo seu interesse, a era Paleozóica estava dividida nos períodos Câmbrico, Ordovícino, Silúrico, Devónico, Carbonífero, e Pérmico. A Era Mesozóica estava dividida nos períodos Triássico, Jurássico, e Cretácico; o a Era Cenozóica estava dividida em dois períodos principais: o Terciário e o Quaternário.

Com a expansão do estudo da história das sociedades e povos não europeus, os estudiosos de história depressa aceitaram a ideia que a periodização da história é relativa ao grupo, civilização ou continente que se estuda. Assim, a classificação de períodos históricos para os povos ou civilizações da Ásia ou África, ou das Américas, obedece cada um a auma dinâmica própria e específica, resultando em periodizações diferentes para diferentes continentes. Desta forma, não é correcto usar uma classificação da história da Eurpoa Ocidental ao estudo da História de África geral ou a História de Angola em particular.


4. Os Agentes da História

Quem faz a história? Quem são os seus agentes principais?

O homem e o agente fundamental de história. Alguns autores vêm a história como a expressão da vontade divina (concepção teológica), outros vêm-na como o resultado da acção dos grandes heróis e chefes militares, outros ainda vêm-na como o produto da psicologia das raças ou como o resultado do meio geográfico, incluindo o meio físico, clima, e endemias; e outros ainda vêm-na como um organismo social de vida própria, em que as sociedades seguem um processo natural de nascimento, crescimento, maturidade, decadência e morte, como a ascensão, apogeu e queda do Império Lunda, por exemplo. Por "homem" entendo o ser humano, incluindo homens e mulheres, crianças e velhos, ou mesmo ainda as sociedades humanas.

Dissémos acima que o homem é o agente fundamental de história; contudo, apesar de fundamental, o homem não é o único agente ou factor que condiciona a evolução histórica. Para além do homem, existe um número de factores como a geografia e o clima, a morfologia do terreno, solos e geologia, fauna e flora, e doenças endémicas, e o estado geral da evolução humana que condicionam sobremaneira a história de uma sociedade, nação ou região, ou época. Assim, por exemplo, no caso de Angola (diria até da África Central), o ambiente natural desencorajou em certa medida o desenvolvimento de sociedades com grandes densidades de população sobre grandes territórios, e favoreceu o desenvolvimento de pequenos estados independentes uns dos outros, em que raramente a supremacia de um sobressaía do conjunto dos restantes.


5. O Relativismo Histórico

E certo que é o homem quem faz história, mas o homem em si é ao mesmo tempo um produto da própria história, na medida em que é condicionado pelo meio social e época em que vive, bem como pelo ambiente natural que o rodeia, pela herança cultural, e pelo modo de produção, e pelas relações de produção vigentes na época em que vive.

Os factos históricos ocorreram decerto, mas só chegam mais tarde ao nosso conhecimento depois do historiador os recolher, analizar, interpretar e narrar. Neste processo, o historiador selecciona, classifica e relaciona os factos segundo um critério pessoal; assim do mesmo facto podem nascer duas ou mais "verdades", pois cada historiador vê a verdade numa perspectiva diferente. A esta subjectividade no estudo e interpretação da história dá-se o nome de relativismo histórico.

Friedrich Nietzche, o grande filósofo da cultura conhecido pelas suas posições radicais quanto à filosofia da história, afirmou com certa propriedade de que "não existem factos históricos; somente interpretações". Embora não concordemos com Nietzche em absoluto neste ponto, devemos lembrar que nenhuma história é um mero relato de todos os factos passados, mas sim uma interpretação selectiva e subjectiva do historiador.

Não somente cada historiador interpreta os factos históricos de acordo com as suas ideias, simpatias e preconceitos, como cada época tem os seus modos especiais de interpretar e explicar os factos históricos. Devemos lembrar ainda que a história varia no tempo, pois o mesmo facto histórico é analizado e interpretado de forma diferente em épocas diferentes. Não devemos assim esperar nunca uma objectividade absoluta e universal no estudo dos factos históricos. Por fim, importa ainda relembrar que a história que normalmente lemos é a história do vencedor, e não a do vencido, e muito menos as duas perspectivas ou mesmo somente a crioula.


6. Historicismo

O temo "historicismo" é comum em estudos de história. Antes de mais é necessário reconhecer que o termo historicismo tem dois significados em história:

1 - De acordo com a linha popular de pensamento descrita no parágrafo anterior, alguns pensadores de história defendem a posição que os factos históricos são únicos, devendo cada época ser estudada e interpretada de acordo com os seus princípios e ideias.

2 - Em termos de filosofia da história, historicismo é a doutrina segundo a qual existem grandes leis independentes da vontade humana que regem o curso da história, como desenvolvimento do processo histórico da humanidade.


7. O Método Histórico

Tão importante quanto a pesquisa e narração dos factos históricos, o historiador tem de identificar, seleccionar e interpretar as estruturas e relações causais que ligam os factos históricos, e comunicar as suas conclusões a um público interessado.

Para sobreviver o escrutínio de outros estudiosos que venham a criticar o seu trabalho, o historiador tem ainda que apresentar não só as suas fontes e justificar as suas conclusões, como também explicar com clareza e validez o método científico que utilizou na sua pesquiza para chegar a elas. Este processo de rigor científico da história como ciência requer uma base de estudos e conhecimentos muito amplos e profundos, não só do objecto a ser estudado, mas também das diferentes correntes e perspectivas de pensamento histórico que outros estudiosos possam usar na análise histórica do objecto em questão. A história tem assim um método muito próprio e rigoroso.


8. A Importância da Arqueologia

Até aos princíos do Século XIX o estudo da história assentava e dependia fundamentalmente do estudo de documentos ou evidência escrita, o que excluía toda a história da humanidade até ao aparecimento da escrita. Com o desenvolvimento da história como ciência, depressa os estudiosos de história reconheceram a necessidade de estudar as sociedades antigas (ou sem sistema de escrita) através do estudo científico de objectos, monumentos, ossadas, túmulos e artigos funerários, múmias, pegadas, ruínas de habitação, vestígios de alimentos, vestuário, armas de caça e de guerra, sedimentos de lixo, e outrous sinais e evidência, a maior parte das vezes soterrada ou submarina, da vida (incluindo a cultura e tecnologia) de sociedades antigas, tentando analisar, reconstruir e compreender melhor essa mesma evidência, dando azo ao desenvolvimento da arqueologia como ciência. Assim, a arqueologia é um método científico e sistemático de história que estuda e reconstroi o passado.




9. Fontes de História


O historiador estuda as sociedades do passado através de formas de evidência do passado (ou fontes de história), investigação e reconstrução do passado. As fontes de história podem ser orais, escritas, visuais, físicas, habitat, e arqueológicas. As fontes orais de história incluem testemunhos, entrevistas, tradição oral, lendas e mitos, canções, poemas e estórias. As fontes escritas incluem documentos, cartas, livros, jornais, revistas, diários, relatórios, e multimédia. As fontes visuais incluem mapas, planos, pinturas, estátuas, esculturas, fotografias, filmes, televisão, e internet. As fontes do habitat (geografia física e humana) incluem aldeias, povoações, cidades, trilhos e estradas, pontes, portos, casas e edifícios. As fontes físicas incluem objectos do passado tais como roupa, mobiliário, monumentos, meios de transporte, e outros objectos do dia-a-dia. As fontes arqueológicas incluem ruínas, cemitérios, moedas, ferramentas, armas, objectos de barro ou cerâmica, ossos, e outros materiais. Não devemos ainda esquecer que o conhecimento do presente também nos ajuda a compreender o passado.


10. A História Oral

A história oral, como narrativa oral detalhada de acontecimentos passados transmitidos de geração em geração por via verbal, muito típica em sociedades passadas sem escrita em que o poder político era forte e centralizado, além de ser um instrumento de solidificação de autoridade e poder da classe dominante, servia também para explicar a origem dos clãs e famílias dominantes e confirmar a sua identidade histórica.

O uso da história oral como fonte de história só recentemente recebeu a aceitação da comunidade dos historiadores como uma fonte válidade baseada em métodos científicos, depois das contribuições de Jan Vansina, historiador belga notável que estudou as sociedades antigas da África Central (Congo, Angola e Ruanda) entre 1950 e 1965, usando extensivamente a história oral como fonte de conhecimento histórico.

Em muitas sociedades africanas tradicionais (incluindo as de Angola) encontramos historiadores oficiais que, escolhidos, educados e sustentados pela classe política dirigente, asseguravam a continuidade e integridade da mensagem oficial de geração em geração, ajudando assim a assegurar e perpetuar a supremacia política e económica dessa classe.

As fontes orais de história (a história oral) são de particular importância na investigação histórica africana a sul do Sahara, pois a grande maioria das sociedades antigas africanas não tinham sistema de escrita, e a investigação arqueológica ainda é muito superficial. A chamada história oral é a história que é passada verbalmente, e include testemunhos ou depoimentos sobre acontecimentos a que o entrevistado assistiu em pessoa, e a tradição oral, que inclui estórias e narrativas verbais que passaram de geração a geração. De uma maneira geral, quanto mais antiga é uma tradição, menos clara ela se torna e mais se cristaliza em forma mitológica. Por outro lado, testemunhos orais são passados de uma geração para a próxima por razões políticas ou para justificar e perpetuar uma certa estrutura económica, política ou religiosa.


11. Amplitude da História

Os estudos de história variam normalmente dentro de um continuum muito amplo que vai do estudo detalhado e minucioso de um momento, acontecimento, pessoa, ou região ou local, aos estudos muito gerais que se debruçam sobre os desenvolvimentos mais gerais do progresso humano numa perspectiva de longa-duração. Os primeiros estudos (os que focam no detalhe) são por alguns estudiosos de história designados como "micro-história", ao passo que os segundos são designados como "macro-história". Havemos de voltar a este tópico e estudá-lo em maior profundidade quando nos debruçar-nos sobre a teoria da história de Fernand Braudel.

É evidente que um achego mais equilibrado que tem em conta os detalhes essenciais à compreensão completa do objecto em estudo, e ao mesmo tempo que não perde a sua relação e integração no universo mais amplo, é a melhor achega para a maioria dos estudos de história. Assim, em história, como em muitas outras ciências sociais, há lugar para estudos, usando uma analogia da arvore e da floresta, que focam na estrutura molecular (microscópica) das folhas das árvores, por exemplo, e estudos que focam na vida da floresta ou dos biomas (macroscópica), e ainda outros que analisando certos detalhes e linhas gerais de desenvolvimento, dão uma perspectiva mais equilibrada entre o detalhe e a generalidade.

No caso específico da História de Angola podemos dizer que a obra "História de Angola" da autoria de Ralph Delgado (edição do Banco de Angola em quatro volumes, em Luanda, sem data) é uma descrição minuciosa da acção dos Portugueses em Angola até 1836, em que o autor descreve em grande detalhe os acontecimentos e personagens, com extenso recurso a documentos da época, contudo, omitindo quase por completo as linhas gerais de desenvolvimento histórico. A obra de Ralph Delgado é assim uma descrição fiel da acção dos Portugueses no terreno e nas suas relações com os potentados africanos, em que aprendemos, voltando à analogia da árvore e da floresa, mais acerca das "árvores" e menos acerca da "floresta".

Por outro lado, a "História de Angola" publicada pelo Centro de Estudos Angolanos (CEA), adstrito ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), publicada em 1974 pelas Edições Afrontamento, em Lisboa , analiza o desenvolvimento histórico de Angola numa perspectiva mais global do materialismo histórico, omitindo quase por completo o detalhe e relação entre acontecimentos e pessoas, em que aprendemos mais acerca do desenvolvimento geral da "floresta", e esquecemos quase por completo a "árvore" como seu elemento fundamental.

Em termos da sua amplitude, a história é universal quando visa a espécie humana em geral - a humanidade; das civilizações quando visa uma ou mais civilizações, como a chinesa, hindu ou ocidental; nacional, quando se limita a uma nação ou um povo; ou regional (ou local) quando se refere a áreas geográficas definidas (como o trabalho de Fernand Braudel sobre "O Mediterrâneo na Época dos Filipes"), incluindo vários povos, estados ou regiões e as relações entre si. Mais próximo da experência angolana, temos a "História do Congo Português" da autoria de Hélio Felgas, edição do autor, Carmona (Uíge), 1958. Neste esboço histórico de Angola usarei uma perspectiva conjunta de história nacional (Angola) e regional (Atlântico), com referências frequentes à história universal, e com um enfoque especial na história ultramarina colonial.

A história oficial é a história que é autorizada e sancionada por um regime político vigente; é uma história filtrada na medida em que enaltece certos aspectos da vida do passado de uma sociedade politicamente organizada, e reduz ou omite outros aspectos que não quer que os subditos sejam conhecedores. A história não-oficial é a versão oposta da história oficial na medida que enaltece os aspectos escondidos pela história oficial. Em certa medida, a história não-oficial é uma história mais vernácula e de protesto, já que enaltece personagens, feitos e acontecimentos ocultados pela história oficial, e despe a história oficial dos seus aspectos mais supérfluos. Ambas as versões oficial e não-oficial reflectem perspectivas parciais e distorcidas da mesma realidade histórica, chegando a ser antagónicas entre si. A história oficial assenta em norma na censura prévia do trabalho do historiador, e é mais típica em regimes políticos mais autoritários; a história popular, por outro lado, revela-se através de lendas, canções, anedotas, outras formas de folclore, e obras de arte. Como exemplo de história oficial podemos apontar a historiografia colonial portuguesa de Angola do regime político do Estado Novo português ou a historiografia de Angola no período imediato após a independência. Mais próximo da experiência angolana, é justo recordar a obra rica de Óscar Ribas no seu esforço de registo da história não-oficial Kaluanda (Ilundo, Missosso, Izomba, Sunguilando, e Quilanduquilo).


12. Objecto de Estudo da História

Em termos do objecto ou da actividade a ser estudados ou descritos, a análise histórica pode focar em inúmeros aspectos parciais e muito específicos da actividade humana. Temos assim a história geral que abrange a evolução política e a vida das sociedades em geral; a história económica que inclui a economia política, as relações de produção, comércio, indústria e distribuição da riqueza; a história militar que se ocupa das guerras e das batalhas e da arte e ciência de guerrear; a história da matemática, da ciência e da tecnologia; a história demográfica que se ocupa da evolução da população de determinada sociedade e sua estrutura; a história da medicina (da doença, da saúde ou da ciência médica); a história da arte (como a literatura, pintura, música, arquitectura, etc.); a história da vida quotidiana ou da vida material; a história das cidades ou das populações rurais; a história da mulher, da família ou da vida privada; a história religiosa (da Igreja, das religiões, do pensamento religioso, ou da acção missionária); a história da vida de figuras ilustres (biografia); a história da administração, a história diplomática, ou das relações internacionais; a história da arte; a história das civilizações e culturas; a história da literatura; a história da cultura popular; a história da educação; a história dos desastres, ou de inúmeros aspectos diferentes da actividade humana.

De todas as perspectivas parciais acima mencionadas, é de importância muito especial a relação entre a história das ideias e a história dos factos, para cada um dos campos de conhecimento ou experiência humana que a análise histórica se debruça. Havemos mais tarde neste estudo retomar em maior detalhe o papel da ideologia na formulação da história oficial, e como esta influencia a forma como somos educados (através do controle da classe dirigente sobre o curriculum de história nas escolas), e mesmo o que queremos saber sobre o passado.

Nos últimos 50 anos tem-se observado um desenvolvimento muito grande da "história dos debaixo", que dá ênfase ao cidadão comum (como a mulher e a criança, o escravo ou o servo, o soldado, ou o mercador) nas suas relações quotidianas com outros membros da sociedade. Este enfoque é assim chamado porque investiga situações, acontecimentos e relações do passado sem os ver à luz do padrão tradicional da classe dirigente, do rei ou do herói, dos chefes militares ou religiosos, de batalhas ou acontecimentos históricos, ou de outras personagens importantes ou acontecimentos principais. A história dos debaixo é também chamada história da vida quotidiana.

A história política ou dos estados (sociedades politicamente organizadas) é a forma mais comum de história e refere-se a factos, acontecimentos, guerras ou batalhas, chefes ou governantes (reis, raínhas, presidentes, caudilhos, potência colonizadora, etc.), revoluções ou povos, com ênfase no papel da classe dirigente no governo do estado ou da nação. Como exemplo próximo da experiência angolana, aponto como exemplo a "História de Angola" em quatro volumes, da autoria de Ralph Delgado, edição do Banco de Angola, sem data, cuja edição original do autor foi publicada em Benguela em 1948.

Alguns estudos de história cingem-se somente a determinados períodos, eras ou épocas, como o clássico trabalho "As Cidades da Idade Média", do historiador Henri Pirenne, não cobrindo com o mesmo detalhe antecedentes ou as consequências da Idade Média europeia. Mais próximo da experiência angolana, damos o exemplo da obra "Os Capitães-Mores de Angola no Século XVIII", da autoria de Carlos Couto (Intituto de Investigação Científica de Angola (IICA), Luanda, 1972). Como exemplo de um estudo que se cinge ambos a um período muito específico e a uma região em particular, temos "O Reino de Benguela", também da autoria de Ralph Delgado, editado pela Imprensa Beleza, Lisboa, 1945.


13. A História e as Ciências Sociais


Como ciência social, a história recorre ao auxílio de outras ciências sociais, sem as quais se tornaria muito mais difícil estudar e explicar o passado. Assim, quando o investigador de história encontra uma lacuna nas fontes de história, invariavelmente ele(a) recorre a outras ciências sociais para explicar ou completar o tópico sobre o qual não tem suficiente evidência histórica. Como exemplo, podemos citar o papel da economia política, da demografia, ou mesmo do direito (como sistema de justiça) no estudo do tráfico de escravos do Atlântico. Assim, para melhor se compreender a história do tráfico de escravos, foi necessário aplicar métodos e recorrer a modelos de análise económica e demográfica, e estudar em maior profundidade os sistemas de administração de justiça tradicionais para explicar o que as fontes da história não podiam. Hoje, apesar de ainda enfrentarmos lacunas muito extensas no que respeita a documentos escritos ou outras fontes de história, podemos dizer que, graças ao recurso à economia e à demografia, temos uma compreensão muito mais completa e lógica do tráfico de escravos africanos e o seu papel no atraso económico e social de África e no desenvolvimento do novo (Américas) e do velho (Europa) mundo.

Contudo, as ciências sociais devem servir apenas para ajudar a história e não para substituí-la, se bem que por vezes é muito difícil estabelecer quando é que uma acaba e a outra começa, como é o exemplo da etno-história, onde muitas vezes não podemos discernir claramente quando é que acaba a antropologia e começa a história.

13.1 História e a Economia - Pela sua importância no círculo das ciências sociais, a economia (que estuda os processos de produção e distribuição do produto social que os grupos humanos usam para satisfação das suas necessidades materiais, assegurando assim a sua existência ao longo do tempo), é fundamental no estudo da história; não só a ciência económica, como a economia política, a economia internacional, a econometria, ou mesmo a ciência do desenvolvimento económico, todos ajudam em confirmar factos, encontrar relações, em provar teses que a história só por si não podia.

Pela sua importância no estudo da história, havemos de retomar mais tarde este tópico, e cobriremos em mais pormenor as relações especiais entre a história, a economia, a história económica, e a história do pensamento económico, que nos irão ajudar muito a melhor conhecer e compreender o passado. Ao cobrir o estudo destas relações tão importantes no que respeita à História de Angola, iremos construindo a História Económica de Angola, o que nos ajudará a ter uma melhor compreensão acerca do passado do território e dos povos que hoje constituem a nação angolana.

13.2 História e a Geografia - A geografia é a "folha de papel" em que se escreve a história. A geografia que estuda o meio físico e humano, e que desde há muito é considerada a matriz na qual se desenrola a história humana, influencia sobremaneira os destinos da humanidade, já que o meio físico é um dos factores que mais condicionam a vida do homem. É verdade comum aceite pela maioria de estudiosos, por exemplo, que a proximidade geográfica de Angola e do Brasil, condicionou a história dos povos que viviam em cada uma das costas do Atlântico Sul, ou que Portugal embarcou na epopeia dos Descobrimentos, antes de qualquer outro estado europeu, devido em grande parte à sua posição geográfica no canto sudoeste da Europa, e do seu longo e íntimo contacto com o mar.

13.3 História e a Ciência Política - A ciência política estuda a organização do poder e do estado (como sociedade politicamente organizada) nas sociedades humanas, e de sistemas políticos como a oligarquia (poder da minoria), a democracia (poder da maioria), ou a anarquia (como ausência de poder dominante organizado). A relação entre a história e a ciência política é muito especial, pois com muita frequência a história que lemos e aprendemos na escola (a história oficial) foi adulterada pela política (dos políticos, não da ciência política). É pois preciso enquadrar e filtrar as fontes de história que usamos e remover delas quaisquer nuances que comprometam a verdade dos factos.

A ciência política ajuda também a história na identificação do papel dos diferentes agentes do poder político no desenrolar da história, na medição da relação de forças entre classes sociais de uma determinada sociedade ou estado, e nos meios que a classe política utlizou para justificar e perpetuar a sua dominação e existência. No caso concreto da história de Angola, a ciência política aplicada ao estudo do Império Lunda, por exemplo, ajuda-nos a melhor compreender a génese, evolução e declínio do mesmo império, e como os Quiocos utilizaram a estrutura política tradicional dos Lundas na rápida expansão da hegemonia Quioca em terras aquém e além Cassai.


13.4 História e a Sociologia - A sociologia estuda os processos pelos quais o homem se socializa. Apesar de a sociologia se preocupar como o momento presente e a história se preocupar com a evolução ao longo do tempo, e assim parecerem indiferentes entre si, a história precisa de recorrer sempre à sociologia, pois só esta pode ajudar em compreendermos como é que a socialização dos membros da sociedade se realizava, como é que a sociedade se organizava, ou ainda como é duas ou mais sociedades adoptavam entre si elementos culturais (aculturação) de cada uma. Talvez as mais importantes contribuições da sociologia no estudo da história de Angola, tenham sido no estudo das relações quotidianas entre senhores e escravos, entre homens Portugueses e mulheres Angolanas, e no sincretismo religioso resultante do contacto entre culturas diferentes.

13.5 História e a Antropologia - A antropologia estuda a cultura (como sistema de crenças, valores, costumes, comportamento e artefactos que os membros de uma sociedade usam para viver em comum). A cultura de um povo é a sua personalidade, a sua maneira de conceber o mundo e a vida. Do círculo de ciências sociais que mais se relacionam com a história, a antropologia tem um lugar destacado. Com muita frequência a história recorre à antropologia para colmatar lacunas nas fomtes de história, e esta à história, pois uma e outra estudam aspectos complementares das sociedades. O objecto da história é o estudo de sociedades no passado; o da antropologia é o estudo de sociedades indígenas (primitivas para alguns), embora do tempo presente.

Da íntima relação entre a história e a antropologia, nasceu recentemente a etno-história, um novo campo de conhecimento de identidade própria e métodos próprios. A etno-história é hoje reconhecida como um corpo de conhecimento próprio e técnica de investigação histórica e social de muita utilidade no estudo das sociedades indígenas (actuais ou passadas) sob uma perspectiva histórica e antropológica, através do uso de documentos não escritos, literatura oral, cultura material ou outra evidência etnográfica.

Mais próximo da experiência angolana, cabe-me aqui reconhecer a valiosa obra de Henrique Dias de Carvalho, que nos finais do Seculo XIX concluiu o primeiro trabalho etno-histórico sobre um povo que hoje faz parte de Angola - "Expedição Portugueza ao Muatiânvua. Ethnographia e História dos Povos da Lunda", Lisboa, 1890, que é hoje um clássico de etno-história de renome mundial.

13.6 História e a Psicologia - A psicologia estuda a natureza humana nas suas acções e reacções do homem perante si mesmo e perante outros. Por vezes para compreender melhor os factos históricos é preciso investigar o universo psicológico de alguns agentes-chave de história ou a psicologia social de uma determinada sociedade no tempo. Assim, a psicologia ajuda a história.

Um exemplo da interacção entre a história e a psicologia é o estudo do universo psicológico do escravo africano no Novo Mundo. Sujeito sem direito a si próprio, o escravo era sempre um estranho em qualquer grupo em que estivesse, vivendo a maior parte das vezes numa solidão atroz.

Desde a dramática experiência da sua captura violenta como escravo(a) na aldeia por negreiros desconhecidos que matavam à mínima ordem não obedecida, à caminhada forçada para o porto negreiro, na qual todas as vítimas capturadas eram sujeitas a um tratamento violento e desumano e durante as quais muitos familiares (crianças principalmente) ou vizinhos morriam pelo caminho e eram assim deixados como alimento para animais.

À chegada ao porto negreiro, por outro lado, se bem que um "descanso (?)" pela espera do tumbeiro (navio negreiro), as famílias eram separadas - mães de filhos pequenos, maridos de mulheres, irmãos, familiares, amigos e conhecidos - tudo convergindo em direcção a uma solidão crescente em que o escravo perdia bruscamente contacto com o seu mundo e a sua cultura, e se sentisse cada vez mais só e abandonado ao seu terrível destino.

A benção pelo bispo ou pároco local (pela qual a igreja recebia o seu quinhão no tráfico de escravos, e, ironicamente, pela qual ao escravo era aberto o seu accesso ao reino dos céus(!)), antes da partida para o tumbeiro, significava para o escravo o seu último adeus ao continente que o viu nascer.

A Passagem do Meio (travessia do Atlântico, "Kalunga" para muitos escravos de Angola) era talvez o período mais dramático e o ponto mais alto da angústia e horror que o escravo angolano tinha de enfrentar. Preso e acorrentado ao porão do tumbeiro durante meses em condições nauseabundas em que o calor e o frio, a urina e as fezes, a ferida aberta e a doença, a morte e a vida, viviam sempre lado a lado, sem espaço para se mexer, sem a oportunidade de falar com a vítima ao seu lado, e tratado como gado, sem alimentação própria, o escravo que sobrevivesse a toda essa violência tornava-se necessariamente num ser humano diferente, terrivelmente só e sem personalidade própria, sem saber a quem confiar como amigo, sem direito ao seu próprio corpo, sem direito à sua vontade própria, cortado por todos os lados do seu passado e cultura, sem saber para onde ia, sem esperança no amanhã, apenas com medo do que mais o futuro trará, e em que a crueldade, a violência e a desumanidade permanente eram as únicas verdades certas.

Uma vez chegado ao porto de destino, a despersonalização do escravo prosseguia, agora porém em novas formas. Depois de "reposto" da terrível Passagem do Meio, o escravo era embelezado, melhor alimentado, até untado pelos seus donos com óleos luzidios para "parecer melhor" e assim atraír um preço mais alto no seu leilão.

No caso específico da mulher escrava, temos ainda que considerar o regime de sevícia sexual e física permanente em que vivia. Objecto sexual e de trabalho para o dono dela, a escrava não sabia se havia de considerar o homem branco como amante, se pai do seus filhos, ou se simplesmente como o criminoso que a violava a seu belo prazer.

A este quadro já suficientemente escuro, temos ainda que ter em conta que muitos escravos (senão a maioria) viviam num estado permanente de depressão psíquica e sofriam de outras aflições psiquiátricas agudas e cronicas, e que para muitos o suicídio era a única salvação do martírio em que viviam.

Devido à sua importância na análise psicológica das relações entre o colono e o indígena e a sua importância na dinâmica da descolonização dos povos africanos, essencial no estudo da história de Angola, sugiro a leitura atenta da obra de Frantz Fanon, em especial os seus livros "Os Condenados da Terra", da Editora Ulmeiro, Lisboa, sem data, e "Pele Negra Máscaras Brancas" tradução portuguesa da Editora Paisagem, 2a. Edição, Porto, em 1975.

13.7 História e a Linguística - A linguística estudas as línguas sem escrita, os dialectos e o uso social da linguagem por grupos humanos através dos tempos. Todos constatamos que a língua de um povo evolui através dos tempos, sujeita a um sem-número de influências internas e externas; contudo, pouco nos debruçamos sobre as relações entre a linguística e a história.

No caso particular da história dos povos da África Central (na qual incluimos os povos Bantos de Angola), foi através da análise linguística que se estabeleceu a cronologia agora aceite da expansão dos povos de língua Banta. Foi ainda através de técnicas linguísticas (gloto-cronologia) que se estimou as origens geográfica (cultura Nok, no leste da actual Nigéria e sudoeste dos Camarões, ao longo do Rio Benue) e temporal (cerca de 4.000 anos atrás) dos povos proto-Bantos, que mais tarde se espalharam pela maior parte da África Central, Oriental e do Sul.

13.8 História e a Demografia - A demografia estuda a estrutura e movimentos da população de grupos humanos ao longo do tempo. As técnicas demográficas são muito úteis no estudo da história, pois elas dão-nos elementos muito valiosos acerca da estrutura da população por idade e sexo, mortalidade, tamanho da grupo familiar, que nos ajudam imenso na investigação histórica.

O estudo da demografia do tráfico de escravos africanos (particularmente de Angola) para o Novo Mundo, rendeu elementos preciosos para o estudo das sociedades angolanas envolvidas no tráfico. Sabemos hoje a composição etária e por sexo, taxas de fecundidade, a mortalidade ao tempo da captura, a mortalidade da viagem para a costa, a mortalidade na espera no porto negreiro, a mortalidade na travessia da Passagem do Meio, e a mortalidade na região de destino para milhões de escravos africanos. Com base nestes elementos demográficos foi possível colmatar uma lacuna imensa e "reconstruir" a história de um bom número de povos africanos.

13.9 História e o Direito - O direito estuda as normas e regras coercivas (direitos e deveres) adoptadas pelos grupos humanos para reger as relações entre os seus membros. De entre as fontes do direito destacam-se, entre outros, o costume, o uso, as convenções, tratados, e acordos internacionais, todos com relações muito próximas da história. Não só o direito precisa da história, mas esta precisa do direito, para melhor podermos compreender as relações pessoais, de negócio, ou de estado através dos tempos de uma sociedade ou nação.

13.10 História e a Moral - A moral fomula os princípios éticos não coercivos que devem guiar a conduta humana. As normas morais evoluem ao longo dos tempos, e o que é hoje não tolerado, há muito tempo (ou não tanto) atrás era prática comum. De interesse para a história de África, foi o papel que a moral desempenhou na abolição do tráfico de escravos de África para as Américas. Ao fim de décadas de luta contra grandes interesses económicos, a maioria das nações europeias e americanas aboliram primeiro o tráfico e depois a escravatura nos seus territórios e mais tarde nas colónias.

13.11 História e a Arte - É também importante estudar as relações entre a história e a arte. A arte não só retrata a vida dos grandes chefes como também da vida quotidiana dos cidadãos comuns, tornando-se assim uma fonte de conhecimento importante para a história.

13.12 História e a Educação- Existe uma relação íntima e fundamental entre a história e a educação, na medida em que o que aprendemos primeiro é o passado, aprendemos as regras de pensar e agir em segundo lugar, e por último, aprendemos a deduzir conclusões ou prever comportamentos no futuro. Entendo por educação o processo de integração harmónica e total do indivíduo na sociedade, nas vertentes social, intelectual, moral e física. E educação visa então a transmissão de cultura para os novos membros da sociedade. A educação realiza-se através da aprendizagem na vida quotidiana e no processo mais formal de ensino, que não é senão a arte de ensinar, de transmitir conhecimentos e competências.

A educação recorre à pedagogia, que entendo como a arte, filosofia e ciência da educação, e à didáctica, que a vejo como uma ciência auxiliar da pedagogia, já que se preocupa com o estudo e técnicas utilizadas no ensino (na Grécia Antiga o pedagogo era o escravo que acompanhava as crianças à escola). Todas as ciências têm uma didáctica própria; no campo particular da aprendizagem da história, existe uma pedagogia e uma didáctica da história que são específicas à transmissão de conhecimentos (aprender) e maneiras de pensar história.

13.13 História e a Filosofia - É ainda de capital importância a relação entre a história e a filosofia (como o esforço de pensar o pensamento, de conhecer o conhecimento), pois esta nos permite indagar melhor a natureza do conhecimento histórico. Voltaremos mais tarde e em maior detalhe a este tema importante, quando nos debruçar-mos sobre as teorias e a filosofia da história.

13.14 História, Mitologia e Lendas - O estudo da mitologia e das lendas também ajudam a investigação histórica, especialmente na pesquisa ligada à interpretação das origens dos povos. As histórias de criação são particularmente úteis no estudo das origens e migrações originais de povos indígenas antigos.


14. Ciências Auxiliares da História


A história, ainda como ciência, serve-se de ciências auxiliares, que são disciplinas específicas necessárias a quem estuda história, como a arqueologia (como o estudo dos restos materiais da vida e actividades humanas no passado), a paleografia (como o estudo de sistemas de escritas antigas), a cronologia (como estudo da medição do tempo), a numismática (como o estudo das moedas cunhadas), a heráldica (como o estudo dos brasões e insígnias), e a genealogia (como o estudo das relações de parentesco ao longo de gerações, e informações pessoais ou de família). A cartografia é a ciência (e a arte) da produção de mapas e de globos tão necessários no estudo da história.

O vasto campo particular do estudo da civilização egípcia na antiguidade deu origem a um campo especializado de investigação histórica designada por egiptologia, que muito ajudou o desenvolvimento da arqueologia como técnica de investigação histórica.


15. A Ciência da História e a História das Ciências


Convém ainda notar que não só a história recorre a todas as ciências, como também todas as ciências recorrem invariavelmente à história. Usando uma figura mental para melhor compreendermos esta relação, podemos dizer que as ciências estão para a história, assim como a fotografia (estática) está para o filme (dinâmico). Assim, cada ciência tem assim uma história muito própria; e mais, a história de cada ciência molda e regula a evolução dessa mesma ciência, na medida em que a história é um factor essencial no processo de acumulação de conhecimento. Assim a evolução da matemática (que para alguns é mais uma linguagem (um método) do que uma ciência propriamente dita), por exemplo, depende a cada passo da sua evolução (da sua história), do corpo de conhecimento acumulado ao longo do seu passado até ao presente. Esta sinergia entre história e ciência é um dos aspectos mais interessantes da evolução da espécie humana.


16. Oportunidades de Carreira para Estudiosos de História


Muito embora todo o historiador seja treinado para pesquisar e comunicar história, o campo de actividades profissionais para aqueles que se interessam em história é de facto muito amplo. Assim encontramos profissionais de história como professores nos diferentes graus de ensino, como conservadores e directores de museus e arquivos históricos, como editores na indústria livreira, como jornalistas e profissionais de comunicação social, como escritores de história oficial aos níveis local, regional e nacional, como técnicos que trabalham na conservação do património histórico, e como consultores técnicos em projectos e actividades que se relacionam em qualquer forma com o estudo e conservação do passado.

Devido à sua natureza breve e superficial esta Viagem Pela História de Angola é necessariamente um estudo de história muito simplificado, embora sempre que possível, me debruce e ofereça alguns aspectos parciais da história económica e social e da vida material, da evolução demográfica, de algumas notas biográficas de algumas figuras ilustres, e da história política e da administração de Angola.

2 Comments:

Blogger A professora said...

Gostei...parabens

1:48 PM  
Blogger Jacyra Fortunato said...

Gostei .Muitos parabéns.

9:01 AM  

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